Jair Bolsonaro está preso na sede da Polícia Federal. A frase, que antes parecia provocação de opositor, hoje é apenas um registro frio da realidade. E toda realidade desse tamanho produz rachaduras ideológicas, emocionais, eleitorais. Em Santa Catarina, essas rachaduras reorganizam o rumo da política e iluminam um nome que já estava bem posicionado: Jorginho Mello.
A disputa de 2026, até ontem, caminhava para ser um duelo simbólico entre Jorginho e João Rodrigues. Não sobre estradas, saúde ou educação, mas sobre quem carregava o brasão mais reluzente do bolsonarismo. Um concurso de autenticidade ideológica onde os fatos pouco importavam e a fidelidade absoluta ao mito valia mais que qualquer currículo.
Mas o mito está preso. E isso muda tudo.
Santa Catarina sempre foi o reduto mais leal do bolsonarismo. Mostrou isso nas urnas, nas ruas, nos símbolos espalhados pelos municípios. Só que o catarinense tem um faro particular para o limite. Votar por convicção é uma coisa; defender condenado encarcerado já ultrapassa a fronteira do que mesmo o eleitor conservador aceita carregar no peito.
É aqui que a equação fica clara: o bolsonarismo continua forte; Bolsonaro, preso, deixa de ser um ativo político.
João Rodrigues, que investiu pesado na simbiose com o ex-presidente, entra num terreno movediço. Como se desvencilhar sem trair? Como seguir sem se explicar demais? Qualquer movimento soa errado.
Jorginho, por outro lado, tem a vantagem da cadeira, da caneta, do MDB à porta e do pragmatismo no ouvido. Mas, para transformar vantagem em hegemonia, precisa dar o passo que todo herdeiro político precisa dar quando o patriarca cai: afastar-se da família.
O clã Bolsonaro, agora ferido e cada vez mais defensivo, cobra fidelidade como se ainda tivesse força para isso. Mas a vassalagem começa a perder o sentido. A prisão quebrou o encanto, escureceu a aura, tirou o valor eleitoral da genuflexão. Manter-se ajoelhado diante de um líder que já não entrega votos é insistir em um ritual vazio.
E ao observar as últimas entrevistas de Jorginho, a impressão é nítida: ele já percebeu isso. Há menos reverência, menos frases calculadas para agradar os órfãos do mito, mais institucionalidade, mais foco na gestão. Ele parece entender que, a partir de agora, o eleitor quer continuidade ideológica, sim, mas sem carregar o peso criminal de Bolsonaro. Jorginho sinaliza que pode entregar o primeiro, sem herdar o segundo.
O trono do bolsonarismo catarinense está vago. O mito preso abriu espaço para uma liderança pragmática, menos emocional e mais adaptada ao jogo real. E nessa versão mais sóbria da direita, Jorginho surge como nome natural.
No fundo, a política só confirmou uma velha regra: rei morto, rei posto. E quem ocupa o lugar não é quem grita mais mito. É quem entende o momento.
