São Ludgero é uma cidade reconhecida pela capacidade de trabalho, pela força comunitária e pela valorização de suas tradições. Mas, nos últimos meses, uma contradição incômoda tem se imposto diante dos olhos de quem acompanha a rotina do município: cresce, silenciosamente, uma cultura de desleixo, descaso e desrespeito. E essa cultura está encontrando terreno fértil justamente nos espaços que deveriam simbolizar o contrário — os espaços de convivência, de fé, de contemplação e de pertencimento. O resultado não é apenas feio. É vergonhoso.
O exemplo mais gritante — e reiterado — continua sendo o Morro do Cruzeiro. A Prefeitura instalou ali estruturas adequadas para o armazenamento do lixo até a coleta: lixeiras cercadas, suportes reforçados, locais protegidos para evitar ataques de animais ou espalhamento por ventos fortes. Nada disso, porém, tem resistido ao comportamento de uma parte da população que simplesmente não aceita a ideia básica de responsabilidade coletiva. As estruturas são deixadas abertas. Sacos são largados do lado de fora. Resíduos são atirados como se o cuidado com o espaço público fosse um luxo descartável.
É preciso dizer com todas as letras: quem destrói, ignora ou despreza essas estruturas não está apenas depositando lixo no lugar errado. Está lançando fora o respeito pela cidade que habita. O dano não é apenas urbano; é moral.
Mas o problema não para aí — e talvez o que venha a seguir seja ainda mais grave.
Nos últimos dias, tornou-se público um episódio que ultrapassa todos os limites da falta de educação: alguém, em pleno exercício do egoísmo mais primitivo, decidiu utilizar uma das grutas religiosas do município como churrasqueira improvisada. Como se não bastasse profanar um espaço que representa a fé de milhares de sãoludgerenses, o indivíduo ainda teve a ousadia — e a absoluta falta de dignidade — de defecar em frente à imagem sacra. Em qualquer sociedade minimamente civilizada, isso seria tratado como afronta, como vandalismo, como crime moral contra o patrimônio cultural e religioso. Aqui, precisa ser tratado como um sinal de alerta vermelho para a degradação dos valores comunitários.
Esse gesto diz mais sobre a pessoa que o praticou do que qualquer análise sociológica poderia dizer. Mostra que, para alguns, o espaço comum é terra de ninguém — e que o sagrado vale menos do que uma tarde de churrasco improvisado.
Outro ponto crítico vem se repetindo no Morro da Cruz, um dos recantos mais visitados por turistas e moradores. É bonito tirar fotos. É agradável contemplar a paisagem. É fácil postar nas redes sociais frases sobre amor à natureza. Difícil, ao que parece, é levar o próprio lixo de volta. Garrafas, embalagens, latas, restos de alimentos — rastros de um comportamento que elimina qualquer desculpa possível. Ali, não há ignorância. Há pura falta de caráter.
Em todos esses episódios, uma mesma verdade se impõe: não é o lixo que separa bons cidadãos dos demais. É a atitude diante dele.
A diferença entre quem respeita e quem destrói está na consciência de que a cidade é de todos — e que o cuidado compartilhado define a qualidade da vida coletiva.
Quem joga lixo no chão, quem depreda estruturas públicas, quem vandaliza um espaço religioso, quem suja o morro onde passeia… todos fazem parte da mesma engrenagem do descaso. Uma engrenagem pequena, triste e corrosiva.
E é preciso dizer: não adianta exigir mais investimentos, mais limpeza, mais servidores, mais infraestrutura, se falta o básico — o mínimo senso de coletividade. Não há orçamento municipal que resista ao vandalismo cotidiano de quem se recusa a assumir sua parcela de responsabilidade. Não há caminhão de coleta capaz de acompanhar o ritmo de quem descarta fora do lugar. Não há política pública que substitua aquilo que deveria nascer dentro de cada cidadão: respeito.
O poder público tem sua parte, é claro. Fiscalizar, conscientizar, reforçar estruturas, punir quando preciso. Mas há um limite claro entre o que é obrigação do Estado e o que é dever moral da comunidade. E esse limite está sendo ultrapassado diariamente por quem confunde liberdade com licenciosidade, por quem acredita que o espaço público não lhe pertence — e, por isso, pode ser tratado como depósito de impulsos e descuidos.
Este editorial não é um sermão. É um chamado.
Porque São Ludgero merece mais. Merece moradores à altura da história que carrega. Merece visitantes que entendam que o turismo começa pelo respeito. Merece jovens que aprendam que cidadania se pratica no cotidiano, não apenas se discursa no 7 de Setembro.
E merece, sobretudo, uma cidade onde o cuidado não dependa da presença de câmeras, da patrulha da prefeitura ou da boa vontade alheia — mas da consciência individual.
Se queremos uma São Ludgero mais limpa, mais bonita, mais respeitada e mais nossa, o primeiro passo é simples e urgente: que cada um deixe de sujar aquilo que diz amar.
